terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Interocepção


Espelho da alma desfeita em estilhaços por plumas brancas maculadas pela seiva de homem pecador. Fragmentado sob Vénus e sobre a ardósia fleumática do jardim de inverno, decorado pela vegetação seca e urnas partidas, d’onde escorrem as cinzas que bailam ao sopro de Éolo e pairam no vazio formando nuvens de pó que instigam os olhos obcecados, que rompem com bravura os sete véus do espírito. 
Lá fora, as venezianas das janelas embatem contra as paredes por caiar e os galhos secos da cerejeira gemem enquanto escalavram os vitrais coloridos das janelas do segundo andar. Os baloiços proferem um brado estridente enquanto se entrelaçam e se enamoram. Os portões adornados pelas correntes pesadas se debatem freneticamente contra a sebe que circunda toda a área pertencente ao palacete.
 E cá dentro estou eu, com a lareira e as velas acesas, com Saramago nas mãos e debaixo dos olhos, mantenho-me na cadeira de baloiço que me baloiça e faz ranger o soalho empoeirado, com as pernas cobertas pela manta de retalhos. E distraio-me a fitar pela janela a chuva a cair, à espera de ouvir o chiar das tuas botas enquanto sobes o varandim e giras a maçaneta, escancarando a porta, de chapéu e sobretudo ensopados e esboças o mais belo sorriso de todos, que ilumina a sala, os quartos e o saguão. Encandeando o meu ser, desencantando quaisquer maldições e ressuscitando o espelho da alma desfeita em estilhaços por plumas brancas maculadas pela seiva de homem pecador.

Por agora, quimeras. Nada passa de sonho, fruto da imaginação. Será que um dia voltas? Ou, porventura, irei eu? Para já espero. É somente, por agora, o que posso fazer. 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Ícaro se Torna Penélope


Saudades de toda aquela liberdade.
Saudades das asas de cera,
Que por eu voar tão alto, derreteram ao sol primaveril.

Ah, se eu pudesse voltar atrás!
Se eu pudesse, seria novamente Ícaro,
E voava de acordo com os meus rumos.

Não que eu esteja engaiolado,
Mas há correntes invisíveis aos olhos de vidro
Que não me deixam prosseguir.

Ah, se eu pudesse, certamente voltava no tempo!
Se eu pudesse, mudava os atos, para não me tornar Penélope
E, assim, prosseguiria novamente pela minha rota.

Saudades de toda aquela liberdade.
Saudades das asas de cera,
Que por eu voar tão alto, derreteram ao sol primaveril.