Do alto fito-os lá em baixo. Não que eu seja melhor
do que eles, mas agora vejo tudo de um degrau distinto do que outrora via, onde
a lua cheia e descoberta embate sobre a ardósia oleada e faz ricochete, fazendo
cintilar as veredas, trazendo a ventura, a fé e tempos de bonança. Olho para as
minhas botas que antes foram novas e vejo quão gastas elas estão, e lamacentas.
Mas os meus pés estão intactos, Ave!
E do alto
fito-os lá em baixo, no pântano lodacento, em devassidões efémeras com as
ninfas de gelo que o aquecimento prazeroso do desejo lascivo derreterá,
indubitavelmente. Ou o sol que nascerá ao amanhecer, e que encandeará os olhos
dos sonhadores sem rumo. Mais cedo ou mais tarde será assim e eles nem sequer
fazem ideia, pobres, frágeis e inócuos santos de barro, sem vida, sem sonhos, sem
rumo.
Não é dor, nem pesar… É como se sentisse o quanto é
descartável. É como se soubesse que não passam de areias esgotadas por uma
ampulheta que, num piscar de olhos, enredam a essência e não deixam evocar na
memória que não há estipêndio de valor real para quem vive a estroinice por preferência.
Deixam a razão de parte e evocam prazeres dionisíacos. Estão abandonados, deixados
como folhas de outono à sorte e vivem, sem rumo nem direção, à espera de uma rajada
de vento que os transporte, mesmo sem bússola, nem astrolábio que norteiem um
caminho… “que seja onde o vento levar”, é o lema deles. Eu sei, eu já fui
assim.
E não pretendo descer, nem vou cair novamente.
Estou bem firme aqui, com alvo traçado e pretensões, de tornar reais os meus
sonhos. O nevoeiro começa a inabilitar a minha visão e eu já não os fito lá em
baixo, infelizmente. O meu coração aperta, mas sei que tenho um caminho a
seguir, e sei que só o farei sozinho. Não estou apto a ajudar ninguém, nem
forças para mim mesmo tinha outrora… Ora, não se trata de egoísmo. Basta a cada
um os seus próprios males, essa que é essa! Até porque cada qual tem de querer
sair do pântano e prosseguir os seus verdadeiros sonhos…