domingo, 12 de junho de 2016

Armistício


A cada dia que passa a amargura é maior, a dor é mais intensa e eu já não sei o que fazer. A cada dia que passa, vai passando, enquanto espero pelo fim. E eu já não suporto mais tudo isso. Estou cansado de fingir, de esconder-me, de aguardar pela paz vindoura. Na verdade, não tenho sido nem uma coisa, nem outra, não sou, nem os faço feliz. É uma luta tenebrosa, um bloqueio incapacitante, um nó na garganta, um desconforto no peito… E se eu pudesse, eu não era assim.
Aprendi (e ouço recorrentemente no primeiro dia da semana) que a dor vai passar, um dia, pois esta vida é passageira, e um dia estarei em paz. Aprendi que a cada mal o seu dia, até ao fim dos tempos. Aprendi a negar-me a mim mesmo, a minha carne, como dizem. E dói tanto, porque a carne perfura o espírito e corrói o ser, na sua plenitude. Fere o coração, polui o sorriso e os olhos se desviam, nunca fitam outros olhos.

Pai, eu agora dirijo-me a ti, com humildade, sem qualquer desejo de profanidade, nem de murmuração: Porquê assim, porquê eu? Porquê tanto sofrimento, porquê um fardo tão difícil? Não que eu seja merecedor de nada, longe de mim… Sem querer atrever-me, mas atrevendo-me, é isso amor? Sem querer atrever-me, porquê é isto transgredir? Tantas vezes pedi que me libertasses disso, pai. Tanto tentei, tanto lutei contra… Não sei como começou, nem de onde veio… Mas estou assim, desde que me lembro e desculpa-me outra vez, mas eu não pedi, nem mesmo queria. Hoje eu sou este, seja onde for que começou, seja onde for que brotou a semente. Eu não pedi, mas sou. Um dia pedi para que me libertasses… Porquê não ouviste a minha súplica? Hoje não quero mais. Hoje me aceito assim e não é um espinho na carne. É quem eu sou, querendo ou não, até ao fim dos tempos… Sou quem permitiste que eu fosse. Eu quis não ser… Agora sei que sou assim e nunca vai passar. Não peço que me leves, pois eu os amo a todos e não queria que sofressem – esta é a minha contenda a cada alvorada, o meu pesar… Este é o meu rumo, predestinado. Custa-me muito, mas, antes da insanidade e insensatez, tomo um rumo, antes que me perca ou leve a que me percam. Quem sabe um dia, a infinita misericórdia que aprendi, me despoje, ou então faça com que caiam-se-lhes as escamas dos olhos deles.

sábado, 9 de abril de 2016

Isabel

Na colheita revivemos o semear.
Se uma nuvem negra
Nos paira sobre a cabeça
É semente da semeadura.

Plantar  pranto...
Colher pena.
Colher mágoa.
Colher dor.
Mas nem tudo é plantado por nós.
Há quem ceda os seus alqueires a quem for

Na colheita revivemos o semear.
A terra é nossa e o solo sente
O rasgar da semente
A raiz a terra a perfurar.

(Em terra fértil e boa
A chuva penetra e escoa
Sendo a semente boa ou má.)

Mas plantar  pranto...
É colher pena.
É colher mágoa.
É colher dor.
Mas nem tudo é plantado por nós.
Há quem ceda os seus alqueires a quem for

Na colheita revivemos o semear.
O dia da colheita boa chega
Com o semeador de amor chega
E mostra à terra o que é amar.

E nunca mais se planta pranto
Pois é colher mágoa,
É colher pena,
É colher dor.
Ceda os seus campos a quem semeia o bem
Para que nos seus campos só se colha amor

sábado, 30 de janeiro de 2016

Rei d'Un Sábado (e mais quatro meses)



Neste palácio onde já reinaram muitos fizeste-me o rei. Qual conto de fadas é tão belo? Sem carpete púrpura fizeste-me Rei pelos campos verdejantes, entre as árvores e no cume das rochas. Entrelaçaste as tuas mãos nas minhas e os teus olhos de tão verde faziam inveja às sequóias que procuramos, sem muito sucesso. E o brilho do sol não era mais belo do que o teu sorriso. Que magia é maior do que dar vida a uma árvore tombada com amor? Levaste-me tão alto e lá de cima víamos todo o reino à nossa volta, e lá bem longe o mar. Levaste-me tão alto, lá em cima, onde pude sentir-me mais leve do que uma pena. Ser rei nos dias de hoje não é para qualquer um. Tu, só tu és capaz de coroar-me assim, sem nenhum ornato em ouro, somente com o teu carinho e amor. 

Sonetto in Preghiera

Peço sabedoria para agir
Se é que ainda está alguém por aí,
Se é que ainda está alguém por aí a ouvir-me.

Peço sensatez a quem eu sei que existe,
Mas a quem eu não conheço,
Muito menos sei quem é.

Peço paz para que tudo se una
E corra no mesmo curso,
Em águas plácidas e cristalinas 
E onde eu possa renascer.


Peço ânimo se ainda o merecer
Não por mim, mas pelas almas que me luzem
No âmago do meu ser estéril e incapaz,
Neste corpo onde preferia não existir.


Já não peço. Imploro-te e os meus olhos se afogam.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Shibari

É deveras surreal a capacidade que tens de me prender sem cordas e dominares o meu corpo e sentimentos sem estares presente. Quando me tomas pelo colarinho e mostras que dominas qualquer parte do meu ser contigo, seja presente, virtualmente, ou somente quando és fruto da minha mente por pensar em ti constantemente, só me ocorre que não precisas de o fazer, porque há algum tempo que me rendi e sou teu cativo.
É puro prazer o que desencadeias sem algemas nem mordaça, quando me mostras que és tu quem manda. Eu me rendo, sem resistência, como se qualquer tortura se tornasse em ternura por contemplar o teu sorriso. Submeto-me ao que tu queres, porque o teu prazer faz-me sorrir como um miúdo, mesmo quando está tudo controlado e eu não tenho controlo nenhum sobre mim, nem sobre nada e está tudo nas tuas mãos.

São mais do que palavras, ou do que o toque. É dentro dos teus olhos onde eu vejo refletido os meus pulsos vermelhos acorrentados, e o suor inseguro a escorrer pelo meu pescoço, enquanto tento dizer pela mordaça “por favor, não vás”. Não precisas dizer-me. Nem precisas tocar-me. Eu sei que és tu sem o fazeres. Mas quando tocas… 

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Boy Toy



Para já não me tens como merecíamos ao menos tentar. E eu, por vezes na maioria dos momentos, sou inseguro e tenho medo que te canses de esperar que eu me desembarace dos meus grilhões tão complexos e apertados nos artelhos. Lucidamente me alentas e dizes “eu estou e estarei aqui, até que…”.
Para já não me tens como merecíamos ao menos tentar. E eu, por vezes, na maioria dos momentos, sou carente (que palavra difícil) e posso dar-te pouco de palpável enquanto a areia escorre entre os compromissos e quando vejo que já se passaram horas e os certos não ficaram azuis, os meus pensamentos mudam e acho que não merecíamos sequer tentar, afinal. Mas com três frases devolves-me o sorriso e eu sinto novamente que para já não me tens como merecíamos ao menos tentar.
Para já não me tens como merecíamos ao menos tentar. “Mas tenho-te” – por outras palavras me dizes tu, e é suficiente, por agora. Tens-me e desejas também tentar com os braços tão abertos quanto os meus. E isso para mim é suficiente, até que tudo seja mais simples para mim e, consequentemente para nós, quiçá.

sábado, 15 de agosto de 2015

Fantasmas numa Mesquita


Não sou perfeito, longe disso até... Queria ser perfeito e ter tudo o que desejo ao meu alcance, ser detentor de toda a sabedoria e de toda a lei, de todo o poder. Queria escolher as pessoas que eu tenho ao meu lado. Anjos, mães e arcanjos. Mães, sobretudo a minha mãe.  Ter o Arcanjo Miguel, tão perfeito e imaculado, a venerar-me e tão frágil sob os meus cuidados. Mas não sou. Mas não sei. Mas não tenho. 
Não sou perfeito, longe disso até... 

Eu tenho mil problemas... Mas quem não os tem, não é? Ninguém é perfeito, na verdade. E na verdade eu sou fraco para a quantidade de problemas que eu tenho. Nem se eu distribuísse um problema por pessoa eu seria perfeito. Porque há problemas que me transcendem, me ultrapassam. Sou fraco para tantos problemas. Tenho poucas forças para resolver tantas coisas. Não sou perfeito, longe disso até...

O que me resta são as minhas poucas forças para lutar pelas coisas que as minha poucas forças podem resolver. Não vou entrar em batalhas invencíveis, as quais antes de começar  sei que vou sair derrotado, pois há gigantes que eu posso aniquilar e há outros que não dependem de mim, porque a minha espada é de madeira e na minha funda só tenho uma pedra. Não sou perfeito, longe disso até...