segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Selma (Vendaval no Abacateiro)


Enquanto eu observava do fundo do corredor escuro o seu quarto iluminado, ela chorava em silêncio a dor do seu próprio findar. Ela estava de costas deitada sobre a cama e eu só via o soluçar do seu corpo, ritmado de samba triste. Dói saber que o fim dela se aproxima e por isso verto lágrimas também. Sei que ruas de ouro e jardins sempre floridos são o seu destino, mas a perda nunca é fácil, mesmo quando um corredor flui entre nós e o desapego de pensar nela todos os dias ou de ver o seu sorriso, já não existe. As paredes sem tinta comprimiam o corredor e confinavam cada vez mais a minha visão.
Quando olhei à minha esquerda, entre outra porta no mesmo corredor, vi a filha dela sentada num quarto onde a única luz vinha da janela que refletia lá de fora a lua e os postes do pátio. Da mesma janela que emanava luz vinha uma brisa fria que fazia bater as portadas das janelas e dançar o abacateiro, fazendo música com as suas folhas. Eu sabia de onde era o som, mesmo sem ver o abacateiro ou as portadas, porque outrora nenhum corredor de água nos distanciava e o mesmo vendaval ou calor que elas sentiam, eu também sentia. Porque antes, através das portadas de madeira abertas eu e sobre o chão frio, observava entre os balaustres o vento no abacateiro. Só que agora já não estou lá e um corredor flui entre nós. E a filha dela bordava ali sentada, com pouca luz, uma colcha prata que, de tão grande, cobria as suas pernas e se estendia pelo chão e cintilava com o brilho lá de fora. As paredes sem tinta comprimiam o corredor e confinavam cada vez mais a minha visão.

Sei que ainda não chegou o fim. Mas que a paz carimbada no nome dela brote no meio do pátio e germine nas raízes do abacateiro. E que, chegado o fim, o adeus custe e doa como tem que ser. Mas que a paz carimbada no nome dela brote, no meio do pátio e germine nas raízes do abacateiro e corra até as suas folhas e de lá se expanda, por todos nós que por aqui ficamos.

Sem comentários:

Enviar um comentário