terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Talisca

Grandes almas 
Corações puros 
Nos fazem sorrir 
põem estrelas nos nossos olhos.

Bocas sinceras
Gargantas verdadeiras  
Nos aconchegam 
E aquecem do inverno frio e húmido.

E a areia passa 
E o tempo escoa 
Não damos conta. 

Humildade e pureza desigual 
O mar que nos rodeia. 
Neblina que nos turva a visão, 
Só ao longe. 
Por ali, tudo límpido, transparente. 

E o calor que nos dão 
parece vindo do vulcão 
Ali ao lado adormecido.
Quiçá magma correm-lhe nas veias. Felicidade e apreço sincero.

O norte pode até ser pequeno; 
Mas os corações são grandes. 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Selma (Vendaval no Abacateiro)


Enquanto eu observava do fundo do corredor escuro o seu quarto iluminado, ela chorava em silêncio a dor do seu próprio findar. Ela estava de costas deitada sobre a cama e eu só via o soluçar do seu corpo, ritmado de samba triste. Dói saber que o fim dela se aproxima e por isso verto lágrimas também. Sei que ruas de ouro e jardins sempre floridos são o seu destino, mas a perda nunca é fácil, mesmo quando um corredor flui entre nós e o desapego de pensar nela todos os dias ou de ver o seu sorriso, já não existe. As paredes sem tinta comprimiam o corredor e confinavam cada vez mais a minha visão.
Quando olhei à minha esquerda, entre outra porta no mesmo corredor, vi a filha dela sentada num quarto onde a única luz vinha da janela que refletia lá de fora a lua e os postes do pátio. Da mesma janela que emanava luz vinha uma brisa fria que fazia bater as portadas das janelas e dançar o abacateiro, fazendo música com as suas folhas. Eu sabia de onde era o som, mesmo sem ver o abacateiro ou as portadas, porque outrora nenhum corredor de água nos distanciava e o mesmo vendaval ou calor que elas sentiam, eu também sentia. Porque antes, através das portadas de madeira abertas eu e sobre o chão frio, observava entre os balaustres o vento no abacateiro. Só que agora já não estou lá e um corredor flui entre nós. E a filha dela bordava ali sentada, com pouca luz, uma colcha prata que, de tão grande, cobria as suas pernas e se estendia pelo chão e cintilava com o brilho lá de fora. As paredes sem tinta comprimiam o corredor e confinavam cada vez mais a minha visão.

Sei que ainda não chegou o fim. Mas que a paz carimbada no nome dela brote no meio do pátio e germine nas raízes do abacateiro. E que, chegado o fim, o adeus custe e doa como tem que ser. Mas que a paz carimbada no nome dela brote, no meio do pátio e germine nas raízes do abacateiro e corra até as suas folhas e de lá se expanda, por todos nós que por aqui ficamos.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Efemérides



É porque tudo na vida tem um porquê, sabe.
Até mesmo a felicidade.
Há sempre um preço a pagar, um pacto a fazer.
Até mesmo para feliz se ser.

A nossa sina talvez seja essa.
Deixemos que tudo aconteça.

Agora senta ao meu lado.
Vê o rio correr.
Que flua nele o nosso fado
De foz breve, se assim tiver de ser.

Vamos fluir com ele.
Mesmo sendo a foz breve,
Se assim tiver de ser.

Olha lá à frente: vê o barco de papel?
Não se afundou o frágil batel.
É esperança que não verte, não derrama.
É sossego de alma que a paz proclama.

A nossa sina talvez seja essa.
Vamos deixar que tudo aconteça.

Agora senta ao meu lado.
Vê o rio correr.
Que flua nele o nosso fado
De foz breve, se assim tiver de ser.

Vamos fluir com ele.
Mesmo sendo a foz breve,
Se assim tiver de ser.

Agora não chores mais: sussurro-te a sorrir
Consolo-te no meu regaço
O teu pranto escorre para o rio a fluir,
Os olhos secam eu te envolvo num abraço.

A nossa sina talvez seja essa.
Vamos deixar que tudo aconteça.

Agora senta ao meu lado.
Vê o rio correr.
Que flua nele o nosso fado
De foz breve, se assim tiver de ser.

Vamos fluir com ele.
Mesmo sendo a foz breve,

Se assim tiver de ser.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Nympha

Talvez por comiseração do eco estampado no espelho, sustento com os braços as paredes pútridas do porão prestes a ruir, pois é nos alicerces onde está a putrefação. Mesmo a ponderar que possas estar sob um camufle, espero imerso, com a âncora no pescoço, no fundo deste mar. Aguardo que chegues, tal como prometeste, e que me libertes da âncora que me cinge às sereias, quais frutos do mar, dos quais  me embebedo, sem pudor. Pois de tantos, encantos, desencantos e cantos, aqui, submerso, inebrio-me e desfruto, prazerosamente. Receio que o prazer fecunde o meu coração, revestindo-me o coração em madrepérola. E aguardo ainda que me leves à margem, envolto em teus braços, para que me ensines a respirar o ar puro, para que me mostra o fogo e para que me incendeies também, como prometeste. Ciente do preço a pagar, se ao mirar-te os olhos, não forem estes de vidro, mesmo antes de a semente germinar e brotar do solo fértil, eu farei qualquer pacto... Abrirei a minha concha e entregar-te-ei a minha pérola. 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Liber ( Monólogo do Desamor)



Em sincronia com as ondas que fazem vibrar-me o tímpano, o ilíaco move-se. E cada vértebra, da base para o topo, contorcem-se. A cabeça gira, de poente para nascente e as extremidades dos braços contornam-me o tronco até cobrirem o sol, dando sombra ao meu rosto. Sinto sobre a pele o vento, que nesta altura do ano, que no cume da montanha, faz ouriçar os pelos e faz bailar as vestes alvas, quase transparentes em contraluz com o sol, demarcando as formas do meu corpo para alguém que quiçá contempla ao longe.
Sou livre e as fitas, que envoltas no meu pescoço limitam-me a passada, estão frouxas, laças. É só o cetim suave que não enforca, nem asfixia. Sou livre e a viseira, que encobre-me e confina a visão, mostra-me que os olhos devem focar-se no horizonte. É só veludo, que não cega, nem obstrui. Sou livre e o espartilho, que aperta e comprime-me a cintura, não me impede de respirar. É só o couro a adelgaçar a silhueta e a suster a coluna. Sou livre e o seixo, que me fazem tropicar e tombar, guia-me no caminho. São brilhantes a ladrilhar o caminho até ao destino.

De olhos cerrados vejo o horizonte em flor e exalo o seu perfume exímio. Nada me prende nem pode deter. As lanças de ouro que trespassam-me os carpos, pingam o meu sangue nos meus lábios. Sangue que corre como rio pelos meus braços… Prossigo, rumo ao sonho. E nada coíbe nem obstrui a vontade da alma. Nem mesmo o amor, ou a acomodação. 

sábado, 20 de setembro de 2014

Fragmentos de Fogo


E fervilhava cálida
A larva contida na câmara.
Os teus olhos defloravam meu espectro.

E o halo burilava o teu semblante
Encandeava estonteante e aquecia:
Noite de sol d’ hora sexta nos dias do estio.
Não havia a brisa, nem a gravidade.

E minh’ alma levitava e pairava sob os céus,
O véu se incendiava e a chaminé se enchia,
A larva quente dentro do meu peito fervilhava,
Fazia os meus lábios transbordarem a larva ardente
Que fluía pelo peito: amálgama de carne e paz.

“Antes da união dos gázeos, combinaram as almas tal encontro”
Nem nuvem, nem vapores, nem cinzas, nem nevoeiro…
Nada impediria a fusão de duas almas, duas almas perdidas.
A larva gela e solidifica as duas almas condensadas numa só.
Nem nuvem, nem vapores, nem cinzas, nem nevoeiro…
Nada impediria a fusão de duas almas, duas almas perdidas. 

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Ecdise

Se eu fosse embora:
Fugiria de algo?
Buscaria por algo?

Olho para o mar e choro.
Se por um lado me traz paz,
Imenso mar de ondas firmes,
Desagua em mim também a inveja.
São maremotos da minha alma,
A minha vida por isso choro.

E a dor que eu sinto é perigosa.
Nociva, desgastante
E eu me esgoto.

Há quem diga que está no escuro.
Eu nunca saí de lá. Acho que a luz é ficção,
Criação de homens sonhadores.
 E o breu encandeia também.
 É um abismo onde eu me encontro,
Caio vertiginosamente, sem parar.

Hoje, enquanto o sol nascia,
Ao meu lado, enquanto eu dormia
Ele afagou as minhas mágoas na minha cabeça.

sábado, 2 de agosto de 2014

Insularidade

Por vezes, esta segregação que faço quando o sol no Hemisfério Norte é quente como a brasa no braseiro e o céu cobiçoso plagia a Safira nos seus tons de anil faz-me pensar. Faz-me pensar na vida, no quão jovem se morre e tão pouco se vive. Vive-se pouco, preocupado com os dias vindouros e esquece-se que hoje também é dia, pois não há futuro sem presente. E cobre-se o rosto com a máscara, esconde-se do espelho atrás da capa e finge ser-se quem não se é, para se viver as aparências e fazer feliz a quem circunda, enclausurando quem se é, impregnando dentro de si próprio toda a imundícia, a falsidade e a descoragem, sangrando por dentro o sangue podre que deixa a carne e a alma em putrefação, chorando pelos cantos amarga e desalmadamente a cobardia na comodidade do presente por um futuro melhor.

Envolto na neblina densa e respirando o ar húmido e quente, eu sei que cavo a minha própria sepultura e preparo o meu próprio velório, empurrando a minha própria tumba, por uma alma cândida e imaculada nas promessas de glória eterna. Não é fácil transformar-me na muralha indestrutível e inabalável de tijolos maciços que almejo. Sonho com isso, mas não luto pelos meus sonhos. Enquanto isso, isolo-me aqui dentro nesta ilha que o mar separa dos meus sonhos, de onde o sol nasce por detrás todas as manhãs. Quiçá por medo das ondas, ou da imensidão do mar, não me atiro desbragadamente nas águas gélidas e incógnitas deste oceano e nado com coragem até aos meus sonhos. Um dia, quiçá.

sábado, 28 de junho de 2014

Sete Peles no Espelho


É como eu sou.
Felizmente. Infelizmente.
Algemo-me ao sonho.
Ao sonho dos outros.
Não aos meus. Sim aos deles.

É como eu sou.
Fatais pecados da mente.
Tudo por carinho.
E eu vivo neutro.
Alma, espelho das sete peles.

E esta inveja que me consome
Enjoa e expele as minhas entranhas
E engole a dor de carregar este nome
 Em cristal, lágrimas que formam montanhas

Todo rio cursa um curso,
Nunca escolhe a sua foz.
Leito: terra rasgada em lama,
Fado em corrente forte.
Manto d’água que desagua no mar

E o vento afaga…
Sopra o perfume da flor da sepultura
Viver dói e o dia não acaba.
Sepultem-me hoje, para que não sangre minha alma pura.

E esta inveja que me consome
Enjoa e expele as minhas entranhas
E engole a dor de carregar este nome
 Em cristal, lágrimas que formam montanhas

É como eu sou.
Fatais pecados da mente.
Tudo por carinho.
E eu vivo neutro.
Alma, espelho das sete peles.








quinta-feira, 19 de junho de 2014

Primogenitura



Era o fim do inverno no outro lado do atlântico, na cidade circundada pelo arco de água doce com setecentos e cinquenta palmos de largura. Eis que exatamente aos quarenta e oito minutos após o nascer sol, no décimo primeiro dia do terceiro mês do calendário gregoriano, nove anos antes do segundo milénio, é-lhe concedido o dom supremo, através do sopro do Criador: a vida.
Contaminado pela impureza pecaminosa do seu admirável novo mundo, Ele, ser frágil e imaculado, como que num presságio sobre as atrocidades e selvajarias a enfrentar de agora em diante, comprime a face e liberta um clamor esgoelado e pesaroso. Os seus progenitores regozijavam com júbilo a sua chegada. Ele era o primogénito, o primeiro pomo resultante daquele amor, e o percursor da linhagem, quem carregaria posteriormente o brasão da estirpe. Uma fusão milagrosa da seiva humana de cor escarlate entre dois seres.

No princípio, coberto de seda e de grinalda, e decorado com junquilhos amarelos em volta da cabeça, aquando dos seus primeiros passos, na primeira vez que os seus pés tocaram o chão de porcelana quente da hora sexta, Ícaro e Penélope já eram na essência de Ele, e viviam em paz no seu interior. Os lustres de cristais iluminavam os seus passos pelo desfiladeiro e nos córregos, com a água pelos joelhos, o povo, incluindo os seus pais, faziam vénias em sua honra, cortejando-o de acordo com a sua passagem. Quando chegou ao fundo do desfiladeiro, deparou-se com a cascata d’água glacial, que refletia o seu semblante. Foi a primeira vez que Ele mirou a sua imagem e tal como Narciso amaldiçoou a si próprio, despetalando em sete mil a flor da sua alma.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Interocepção


Espelho da alma desfeita em estilhaços por plumas brancas maculadas pela seiva de homem pecador. Fragmentado sob Vénus e sobre a ardósia fleumática do jardim de inverno, decorado pela vegetação seca e urnas partidas, d’onde escorrem as cinzas que bailam ao sopro de Éolo e pairam no vazio formando nuvens de pó que instigam os olhos obcecados, que rompem com bravura os sete véus do espírito. 
Lá fora, as venezianas das janelas embatem contra as paredes por caiar e os galhos secos da cerejeira gemem enquanto escalavram os vitrais coloridos das janelas do segundo andar. Os baloiços proferem um brado estridente enquanto se entrelaçam e se enamoram. Os portões adornados pelas correntes pesadas se debatem freneticamente contra a sebe que circunda toda a área pertencente ao palacete.
 E cá dentro estou eu, com a lareira e as velas acesas, com Saramago nas mãos e debaixo dos olhos, mantenho-me na cadeira de baloiço que me baloiça e faz ranger o soalho empoeirado, com as pernas cobertas pela manta de retalhos. E distraio-me a fitar pela janela a chuva a cair, à espera de ouvir o chiar das tuas botas enquanto sobes o varandim e giras a maçaneta, escancarando a porta, de chapéu e sobretudo ensopados e esboças o mais belo sorriso de todos, que ilumina a sala, os quartos e o saguão. Encandeando o meu ser, desencantando quaisquer maldições e ressuscitando o espelho da alma desfeita em estilhaços por plumas brancas maculadas pela seiva de homem pecador.

Por agora, quimeras. Nada passa de sonho, fruto da imaginação. Será que um dia voltas? Ou, porventura, irei eu? Para já espero. É somente, por agora, o que posso fazer. 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Ícaro se Torna Penélope


Saudades de toda aquela liberdade.
Saudades das asas de cera,
Que por eu voar tão alto, derreteram ao sol primaveril.

Ah, se eu pudesse voltar atrás!
Se eu pudesse, seria novamente Ícaro,
E voava de acordo com os meus rumos.

Não que eu esteja engaiolado,
Mas há correntes invisíveis aos olhos de vidro
Que não me deixam prosseguir.

Ah, se eu pudesse, certamente voltava no tempo!
Se eu pudesse, mudava os atos, para não me tornar Penélope
E, assim, prosseguiria novamente pela minha rota.

Saudades de toda aquela liberdade.
Saudades das asas de cera,
Que por eu voar tão alto, derreteram ao sol primaveril.